ESTADO E EXPLORAÇÃO PETROLIFERA NO BRASIL
Parte 1
*Wladmir Coelho
Analisando o processo de consolidação da grande indústria - como forma predominante de produção - notaremos a sua dependência direta dos "combustíveis" elaborados a partir de elementos encontrados na natureza. Assim, no século XIX, o carvão mineral apresenta-se como responsável pela movimentação das fábricas substituído, no século XX, pelo Petróleo. Desta forma podemos entender que o "proprietário" destas riquezas exerceu e exerce um grande poder de ação na economia.
Entretanto a natureza não "premiou" todo o planeta com a presença equânime de minerais que serviriam - e ainda servem - de combustível para o desenvolvimento industrial nem tampouco ofereceu ao gênio humano a receita para a renovação, em condições econômicas satisfatórias, destes recursos.
Tratando-se de sociedades industrializadas para a utilização e controle dos combustíveis naturais são aplicadas as regras criadas pelo próprio homem e considerando as relações desenvolvidas a partir do século XIX teremos uma prevalência dos chamados interesses de mercado, ou seja, uma valorização do produto em função da dimensão de sua oferta, papel do proprietário, e procura.
No Brasil, a leitura do artigo 176 da Constituição Federal, pode sugerir uma interpretação da legislação na qual Estado seria o "proprietário" destas riquezas e, portanto com grande liberdade de participação no mercado e conseqüente atuação direta na economia. Este entendimento, acredito, seria possível uma vez que o citado trecho constitucional determina:
“Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra." (BRASIL, 1988).
Contudo, em seu artigo 173, a mesma Constituição que oferece ao Estado a propriedade do subsolo determina:
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. (BRASIL, 1988)
Neste caso cabe observar que enquanto intocados os recursos da natureza não apresentam nenhuma utilidade prática tratando-se apenas de pedras ou fosseis decompostos pela ação do tempo. Assim, para atribuir à "pedra" ou ao "fóssil decomposto" uma utilidade será necessário ao "proprietário" promover a sua extração e beneficiamento.
A retirada do subsolo e beneficiamento destes elementos implica na transformação do seu caráter natural em resultado da produção humana. A partir deste momento o que era algo sem utilidade transforma-se em um produto com capacidade para "movimentar" uma parte significativa da economia.
Nas sociedades capitalistas este produto não será utilizado pelo proprietário - beneficiário dos resultados de sua transformação - devendo ser trocado por outros equivalentes precisando para este fim chegar ao chamado mercado. Assim:
"(...) a relação real das mercadorias entre si é o seu processo de troca. É um processo social para o qual contribuem os indivíduos, independentemente uns dos outros, mas só enquanto proprietários de mercadorias, a sua existência recíproca é a existência das suas mercadorias, e eles apenas aparecem assim como suportes conscientes do processo de troca". (MARX, 1983)
Deste modo, no processo de relação entre as mercadorias, um papel para o proprietário distinto daquele reservado ao Estado Brasileiro no artigo 173 da Constituição. Ou seja, o proprietário é participante direto no processo de circulação constituindo - segundo Marx - o suporte para o processo de troca.
Desta forma o Estado brasileiro que, conforme o inciso IV do artigo primeiro da Constituição Federal é "fundamentado nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa" (BRASIL, 1988) estaria impedido de atuar como agente econômico.
Elaboradas as informações acima apresentaria dois problemas relativos ao possível papel do Estado, sobretudo nos aspectos relacionados ao controle mineral, diante de uma estrutura econômica caracterizada pelo predomínio do setor privado:
1- Seria correto afirmar que apesar dos minerais encontrados no subsolo pertencerem ao Estado tal fato não implicaria na propriedade destes - entendido o termo "propriedade" como possibilidade, inclusive, de inserção dos recursos minerais beneficiados no mercado - ficando na realidade o Estado com o papel de simples "guardião" do subsolo?
2- Tratando-se o Estado de um "guardião" qual seria a vantagem para o poder público em apenas manter intacto estes bens e depois repassa-lo a um concessionário que assumirá o papel de "proprietário" diante do mercado até o esgotamento do bem repassado?
Para fornecer uma ampliação destes problemas entendo como necessário uma breve análise do processo histórico que proporcionou a cristalização da ideologia burguesa, sobretudo nos aspectos relacionados à "liberdade de mercado" e distanciamento do Estado da economia, considerando a associação desta aos fundamentos do pensamento liberal.
1. Origens do termo mercado e as justificativas para o seu funcionamento
As fundamentações que colaboram para tornar natural a idéia de um mercado distante da ação humana podem ser encontradas ao longo do processo de fortalecimento da produção capitalista a partir do final do século XVIII quando os chamados pensadores fisiocratas (François Quesnay, Marquês de Mirabeau, Le Mercier e outros) a partir dos ideais e crenças de sua época elaboram uma análise da economia fundamentada nos princípios do direito natural.
Desta forma a intervenção do homem na economia deveria ocorrer da forma mais discreta possível, e jamais em interesse próprio, pois uma ação equivocada poderia colocar em risco o "equilíbrio natural" responsável pela manutenção e funcionamento do mercado. Seguindo este raciocínio a atividade econômica é entendida, prioritariamente, como uma relação entre pessoas regulamentada por princípios universais que não podem ser contrariados.
No final do século XVIII, Adam Smith, possibilita um refinamento deste pensamento ao escrever em 1776 "A natureza e a Causa da Riqueza das Nações". Em sua obra o pensador inglês introduz um principio psicológico para justificar o funcionamento do mercado, entendendo que os homens buscam o máximo de conforto com o mínimo de esforço. Smith entende que o mercado organiza-se em função da liberdade de organização oferecida aos seus membros não podendo este sofrer qualquer tipo de intervenção ou controle do Estado.
Acredito que a idéia de um mercado guiado pelas forças da natureza ou pela liberdade da "oferta e da procura" acabam por fundamentar a crença de nossos dias pomposamente classificada de "neoliberalismo", mas ainda não apresenta-se suficiente para justificar o título desta seção.
Para apresentar o mercado como uma construção histórica é preciso buscar uma análise a respeito da origem desta estrutura e entende-la - em principio - como um local destinado a troca de mercadorias presente - ao seu modo - nas mais diferentes sociedades.
O pensamento apresentado no século XVIII por Smith na realidade busca oferecer uma justificativa para a realidade de sua época que pretende uma expansão do mercado para além dos limites nacionais, desprezando o controle da economia pelo Estado e ignorando a prática de manipulações que poderiam provocar elevação ou queda na procura por determinados produtos. Sobre este aspecto o professor Washington Peluso Albino de Souza observa:
"O funcionamento da atividade econômica assegurava-se pela disputa, isto é, pela 'concorrência' no mercado. Cada concorrente exercia o seu poder econômico privado. O Estado abstinha-se de exercê-lo, deixando livre aos concorrentes o seu campo de lutas." (SOUZA; 2003).
Temos neste ponto o mercado como uma construção humana regido por princípios elaborados por indivíduos ou grupos visando - unicamente - uma forma de aumentar o lucro e tais práticas, como sabemos, não apresentam a sua origem na natureza ou vontade divina.
*Mestre em Direito
Historiador
Diretor Cientifico da Fundação Brasileira de Direito Econômico
Nenhum comentário:
Postar um comentário