Escuta Educativa - Programa da Rádio Educare.47 do Instituto de Educação de Minas Gerais

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Os custos da submissão ao fundamentalismo neoliberal O governo Michel Temer




Os custos da submissão ao fundamentalismo neoliberal
O governo Michel Temer

Wladmir Coelho

O governo Michel Temer, com apoio dos grandes meios de comunicação nacional e setores conservadores da sociedade, implanta as chamadas reformas da educação, trabalho, previdência e privatização da Petrobras.

A profundidade das alterações de ordem política, econômica, social determinadas no conjunto dessas reformas deveriam, no mínimo, vincular sua aprovação à consulta aos interessados, entretanto prefere o governo o entendimento de democracia associada a aplicação da ideologia neoliberal.

Na base deste debate encontraremos uma antiga disputa referente a forma mais adequada da participação de um país, politicamente soberano, no chamado mercado internacional. Mercado esse considerado ou denominado, nos últimos trinta anos, de globalizado.

Neste caso, entendem os defensores do discurso oficial, a única forma de garantir o crescimento econômico nacional seria a adesão plena aos princípios neoliberais. Para o entendimento deste posicionamento torna-se necessário uma breve análise do modelo de comércio internacional. Vejamos.

O comércio entre países, como sabemos, não constitui nenhuma novidade histórica, contudo a submissão destes às regras do neoliberalismo e destas, o conceito de democracia revela-se um episódio recente.

Objetivamente temos, nesse caso, a associação do conceito de democracia a simples aplicação dos princípios de liberdade comercial entendendo como modelo ideal a submissão nacional a chamada globalização.

Os defensores desse modelo apontam um caminho de maravilhas repleto de empregos, investimentos internacionais, conquistas tecnológicas. Essas promessas circulam o mundo nos últimos 30 anos, mas poucos informam qual o fundamento do modelo.

A esse  respeito o economista David Cayla, da Universidade de Angers, observa que a globalização não encontra-se reduzida a livre circulação das mercadorias visto que inclui os fatores de produção “isto significa que não são apenas os produtos acabados que circulam no mundo, mas o capital, a capacidade de produção (...) e isso muda tudo porque este tipo de globalização coloca os territórios e estados em competição e cada país procura retirar do seu vizinho suas plantas empresariais e seus empregos.” 

O resultado dessa disputa, segundo Cayla, encontramos na concentração de empresas e empregos em determinadas regiões vencedoras. Essas regiões, acrescento, não apresentam uniformidade quanto a criação de políticas econômicas e destas os direitos sociais.

Verificam-se situações adversas a exemplo da União Europeia, Canadá, México, China e Rússia. Esses dois últimos casos, inclusive, encontram-se em meio a disputa internacional envolvendo os Estados Unidos e o alegado isolacionismo de Donald Trump.

União Europeia e nacionalismo

No caso da União Europeia, por exemplo, temos um conjunto de regras comerciais que em tese facilitam ou buscam facilitar a circulação de pessoas, mercadorias e empresas. Entretanto verificam-se conflitos de ordem jurídica quando os trabalhadores de empresas multinacionais  passam a cobrar os mesmos direitos trabalhistas ofertados nos territórios que sediam essas empresas.

Temos, nesses casos, a retirada ou negativa da igualdade de direitos aos trabalhadores de uma mesma empresa multinacional,em função de sua localização geografica, mesmo que essa encontre-se no âmbito de um acordo comercial. O exemplo da Alemanha merece destaque;

Naquele país um grupo de acionistas minoritários da TUI Group questionou a proibição da participação dos trabalhadores de suas filiais no exterior, nesse caso no âmbito da União Europeia, da eleição dos representantes dos empregados no conselho de administração.

A legislação alemã determina que a participação de trabalhadores de filiais estrangeiras não é possível, mas o caso foi levado à Corte de Justiça Europeia e levanta questionamentos importantes, nos meios sindicais e jurídicos, a respeito da legitimidade dos interesses comerciais presentes nos acordos internacionais na formulação das políticas econômicas das sedes destas mesmas empresas.

A diferenciação entre os direitos trabalhistas observados nas empresas mães e aqueles existentes em decorrência dos acordos internacionais, fora do território sede, ganham nesse debate maior clareza.

Defendem os sindicatos, juristas, deputados no parlamento europeu o direito dos alemães em editarem uma política social separada, diferenciada dos evidentes interesses comerciais, presentes nos acordos internacionais. Inexiste nesse ponto a ideia de renuncia a soberania em nome da ideologia neoliberal mesmo que essa sirva de base aos rumos tomados na União Europeia.

As reformas trabalhistas do governo Temer, ao contrário, defendem a ampla submissão da política trabalhista aos interesses da empresa privada ao propor a desregulamentação do setor em nome da liberdade de negociação elevando ideologia neoliberal a condição de regra.

A regulação ideológica do comércio internacional

A participação comercial, no chamado mercado globalizado, inclui um conjunto de normas administradas por um órgão internacional denominado Organização Mundial do Comércio (OMC).

A criação da OMC ocorre em 1995 ou 4 anos após a dissolução da União Soviética reforçando as “profecias” cujo conteúdo anunciava a supremacia das chamadas democracias liberais. A OMC surgiu, desta forma, no contexto internacional de predomínio da crença no “Armagedom” ideológico responsável, inclusive, pelo fim da história ou predomínio da alegada natureza econômica na qual o livre mercado, sem elementos de intervenção ou controle do Estado, conduziria a humanidade ao paraíso.

Ao utilizarmos o termo fim da história naturalmente nos referimos ao funcionário do Departamento de Estado dos Estados Unidos Francis Fukuyama e seu artigo, de 16 páginas, publicado na revista The National Interest louvando as reformas liberais do leste europeu entendendo esse fato como o encontro da humanidade com a essência da organização política.

Esse mesmo principio, a crença nos elementos liberais de comércio como forma de garantir a felicidade humana e deste a constituição de governos democráticos, revela-se como elemento fundamental na criação da OMC constituindo essa instituição em guardiã econômica de uma nova e permanente ordem mundial,

Em 2013 o economista de Havard, Craig Vangrasstek, ao escrever a história oficial da Organização Mundial do Comércio confirma a função de garantidora da nova ordem da instituição afirmando: “os termos do acordo que estabelece a Organização Mundial do Comércio foram alcançados dois anos após o colapso da União Soviética. Um conjunto de eventos não criou o outro, mas todos eles podem ser vistos como pontos finais em sistemas políticos e econômicos paralelos.”

Vangrasstek complementa sua afirmação garantindo aos britânicos e estadunidenses o papel de gestores do livre comércio mundial afirmando: “O sistema de acordos comerciais bilaterais vinculados negociados durante o período da hegemonia britânica foi substituído após a liderança dos EUA pelo Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), o precursor da OMC. Esses dois poderosos Estados ajudaram a estabelecer e impor regras que concederam igualdade jurídica e oportunidades econômicas a outros estados”.

O mercado globalizado pressupõem, em termos gerais, a idealização do liberalismo clássico representado na plena satisfação comercial. Esse discurso, para os países não industrializados, revela-se na manutenção de um modelo voltado ao fornecimento de produtos do extrativismo mineral, vegetal, agricultura, pecuária.

No Brasil a ideologia neoliberal acima da Constituição

As insatisfações no Brasil, quanto as chamadas reformas, nos diferentes setores da produção indicam um distanciamento entre governo e sociedade. Para tentar legitimar a submissão à ideologia neoliberal o governo Temer assume um discurso de caráter religioso no qual o sofrimento, nesse caso dos trabalhadores, será recompensado com tempos melhores. no prazo de vinte anos. Uma imensa vantagem, no imaginário da supersticiosa classe média nacional, comparado aos 40 anos bíblicos.

Na base as chamadas reformas do governo Temer, considerando a sua ideologia, revelam-se contrárias a presença do Estado como elemento indutor do crescimento e desenvolvimento econômico.

Esses princípios, presentes na ideologia da Constituição de 1988, apresentam-se na forma da obrigatoriedade, ao Estado, do planejamento econômico, no respeito aos direitos sociais incluindo a educação, o trabalho e a saúde.

A Constituição de 1988 ao consagrar o planejamento econômico e reconhecer os direitos sociais revela, inclusive, uma proposta de inserção do Brasil no mercado internacional revelando o entendimento de soberania em sua plenitude implicando, deste modo, a não subordinação aos interesses do chamado mercado.

Temos nesse ponto uma continuidade e ampliação das políticas econômicas adotadas a partir de 1930 nas quais o Estado apresenta a condição, inclusive, de empresário garantindo os elementos necessários ao crescimento e desenvolvimento.

O governo Michel Temer, por seu turno, aplica o receituário oposto à prática nacional, adotada ao longo dos últimos 87 anos, com recuos e avanços, como forma de garantir a inclusão do país no mercado internacional seguindo um modelo diferente da forma colonial tradicionalmente adotada.
O modelo de base colonial, reforçado e aprofundado no atual governo, amplia a entrega dos bens naturais, dessa vez incluindo a única empresa sobrevivente do massacre neoliberal dos anos 90.

Renunciando ao instrumento empresarial de planejamento econômico o governo Michel Temer, através do presidente da Petrobras Pedro Parente, apressa-se em anunciar aos oligopólios a existência de 42 bilhões de dólares em ativos da Petrobras em oferta.

Destes ativos inclui as refinarias retornando aos tempos da ortodoxia financeira e submissão plena aos interesses imperiais do Marechal Dutra com seu Pedro Malan de então o banqueiro Gastão Vidigal.
Na América Latina o México, seguindo os ditames neoliberais, aplica semelhante política cujo resultado revela-se no aumento dos lucros dos oligopólios contrastando com aumentos constantes nos valores dos combustíveis.

A Petróleos Mexicanos (PEMEX), da mesma forma que a Petrobras, foi criada para garantir a utilização do poder econômico decorrente  da exploração petrolífera em beneficio do crescimento e desenvolvimento nacional. O controle dessas empresas a partir dos interesses dos oligopólios possibilita exatamente o oposto.

Os discursos oficiais tornam-se comuns e verificamos um louvor a responsabilidade de adequar ao mercado – cuja tradução é ideologia neoliberal – a política de preços dos combustíveis. No México, como presente de ano novo, ocorreu um reajuste de 20% nos valores da gasolina.  O resultado verifica-se nas ruas das cidades; uma revolta popular, o chamado “gazolinazo”.

O governo Temer, submisso e omisso diante dos acontecimentos internacionais, revela-se ideologicamente disposto a submeter a economia nacional as regras neoliberais nas quais o Estado, no máximo, regula a economia afastando-se dos elementos, inclusive empresariais, necessários ao planejamento.  

Ao planejamento econômico, aqui recordamos, encontram-se associados diretamente a criação das políticas econômicas necessárias a manutenção e ampliação dos direitos sociais.

O presidente Michel Temer defende como proposta exatamente o oposto das determinações constitucionais,  substituindo os direitos sociais, a soberania nacional  por simples ditames de ordem moral decorrentes da ideologia neoliberal, amparada essa moral em frases de efeito notadamente na alegada meritocracia.

Em termos gerais o discurso da meritocracia entende a desigualdade como decorrente do menor esforço considerando o mercado como local de realização da justiça. Esse entendimento místico do mercado justifica, por parte das elites, o combate as políticas de redistribuição cuja prática revela não a preguiça ou inveja dos mais pobres frente aos mais ricos, mas um movimento mínimo no sentido de equalizar a distribuição dos resultados do trabalho.

A injustiça quanto a distribuição do resultado do trabalho verifica-se em inúmeros índices que apontam a elevada concentração de renda simbolizados no número de 8 pessoas, no mundo, detentoras do equivalente aos recursos da metade da população mais pobre ou três e meio bilhões de pessoas.

O principio do mercado como espaço pleno da justiça aplica-se ao trabalhador e suas relações com o capital, retirando desse, qualquer mediação política bastando para sua sobrevivência encontrar o melhor caminho, tenha esse o nome de livre negociação, flexibilidade de horário, múltiplas funções, terceirizações.

Temos, nesse caso, uma clara substituição dos princípios constitucionais por fundamentos de uma ideologia cuja legitimação, ilegítima, resulta de um Congresso sem poderes constituintes.


Em termos práticos a submissão ao modelo neoliberal aplicado pelo governo Temer marcha associada a exclusão dos trabalhadores do processo decisório, bastando para esse fim a manutenção formal das instituições, associando democracia aos interesses comerciais dos grandes grupos econômicos traduzidos na ilusória integração ou globalização.

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