Escuta Educativa - Programa da Rádio Educare.47 do Instituto de Educação de Minas Gerais

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

A EXPLORAÇÃO PETROLÍFERA NA AMÉRICA DO SUL

A EXPLORAÇÃO PETROLÍFERA NA AMÉRICA DO SUL
UMA BREVE ANÁLISE DO CASO BOLIVIANO
*Wladmir Tadeu Silveira Coelho
Introdução
O modelo de exploração dos recursos minerais energéticos na América do Sul caracteriza-se historicamente pela presença de grupos monopolistas internacionais legitimados por um discurso liberal de "progresso" entendendo este como resultante do acumulo de capital através da exportação de bens primários.
Observa-se neste caso a utilização de uma ideologia, cuja a base estaria no principio da livre concorrência, a favor de uma ação mercadológica restritiva gerando como resultado o controle, por um reduzido número de empresas, de um importante setor da economia. A cristalização deste modelo ampara-se ainda em outro dogma do liberalismo, ou seja, a defesa de um distanciamento do Estado das atividades relacionadas a economia caracterizando este como ineficiente diante das "leis naturais" que regeriam o mercado.
No caso dos países da América do Sul este discurso torna-se hegemônico em fase anterior a qualquer tipo de intervenção estatal no setor petrolífero e acaba funcionando como uma espécie de escudo protetor para os interesses dos grupos privados internacionais preocupados em garantir o controle das áreas produtivas conquistadas.
Deste modo a legislação petrolífera de países como Bolívia, Venezuela, Colômbia e Brasil procurou possibilitar - desde o inicio do século XX - a maior liberdade possível de ação as empresas internacionais do setor oferecendo - via de regra - extensas regiões para pesquisa e lavra do mineral.
Dos países citados somente a Venezuela - considerando o modelo privado de exploração - conseguiu apresentar resultados que pelo menos indicassem a possibilidade de acumulo de capital - e na lógica liberal o crescimento econômico - através da exportação de um produto primário . Nas demais nações observou-se, ao longo das primeiras décadas do século passado, uma diminuição ou mesmo suspensão das atividades relacionadas a exploração petrolífera, entretanto, sem a devolução ao patrimônio nacional das áreas oferecidas para a exploração.
A solução encontrada para esta realidade manifestou-se a partir da década de 1930 através de movimentos nacionalistas de caráter estatizante - aspecto verificado na Bolívia - ou regalório situação observada no Brasil.
Neste caso tornando claro que o discurso intervencionista sul-americano não estaria associado ao modelo inicial de crescimento econômico, mas em uma forma reparadora da ausência ou intolerância da iniciativa privada em um determinado setor ou mesmo como parte de uma política econômica que possibilite ao Estado retirar determinadas vantagens na relação comercial com setores do monopólio privado do petróleo.
1.2 O petróleo boliviano
O caso boliviano, dos anos de 1930, representa com clareza a tentativa do Estado em superar a inoperância do setor petrolífero privado que atuava naquele país através da Standard Oil of New Jersey desde 1921. A atuação desta empresa caracterizou-se por todo tipo de abuso incluindo o contrabando através de um oleoduto clandestino para a Argentina, além de falsificação na estimativa do volume das reservas de petróleo existentes.
O rompimento definitivo entre a Standard e o governo Boliviano ocorre em 1936 com a criação da Yacimientos Petroliferos Fiscales Bolivianos (YPFB) como resultado da insatisfação popular provocado após a chamada Guerra do Chaco contra o Paraguai. Durante o citado conflito a Standard - entre outros procedimentos - negou-se a fornecer o combustível necessário as tropas bolivianas alegando secasses no país apontando para a necessidade de importação de combustíveis. Naturalmente este procedimento tornou a empresa antipatizada diante da opinião pública que passou a exigir providencias no sentido de recuperação da soberania política e econômica do Estado.
A estatização ocorrida na Bolívia foi a primeira da América Latina, entretanto as pressões efetivadas pelos Estados Unidos logo reduziram o seu alcance. Em 1940, durante o governo de Enrique Peñaranda, a Standard Oil é indenizada a titulo de "colaboração do país com os aliados."
Trinta anos mais tarde, o governo de Alfredo Ovando Candia, promove uma nova nacionalização do setor petrolífero através do fortalecimento das atribuições da Y.P.F.B. incluindo a estatização Gulf Oil que atuava na exploração do gás natural.
O fortalecimento da ideologia liberal dos anos de 1990 marcou um novo distanciamento do Estado boliviano das atividades petrolíferas entendendo que este setor melhoraria o seu desempenho a partir de sua abertura a iniciativa privada.
1.2.1 A privatização
O ano de 1996 marca a oficialização desta abertura através da aprovação, durante o governo de Gonçalo Sanches de Lozada, da lei 1689 de 30 de abril. A nova legislação - seguindo o vocabulário liberal - "flexibilizou" o monopólio do petróleo admitindo a presença de grupos privados mediante o estabelecimento dos contratos de operação e associação.
A lei 1689 manteve a propriedade do subsolo determinando em seu artigo primeiro que:
Por norma constitucional, los yacimientos de hidrocarburos, cualquiera sea el estado en que se encuentren o la forma en que se presenten, son del dominio directo, inalienable e imprescriptible del Estado. Ninguna concesión o contrato podrá conferir la propiedad de los yacimientos de hidrocarburos. BOLÍVIA (1996).

Até este ponto da citada lei o processo de estatização iniciado em 1936 não sofre transformação visível, todavia encontraremos em sua complementação a seguinte redação
El derecho de explorar y de explotar los campos de hidrocarburos y de comercializar sus productos se ejerce por el Estado mediante Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB). Esta empresa pública, para la exploración, explotación y comercialización de hidrocarburos, celebrará necesariamente contratos de riesgo compartido, por tiempo limitado, con personas individuales o colectivas, nacionales o extranjeras, según las disposiciones de la presente Ley. BO­LIVIA (1996).

A justificativa para a abertura das atividades relacionadas ao ramo petrolífero fundamentavam-se no principio da impossibilidade do modelo nacionalista boliviano proporcionar, através de uma empresa estatal, os recursos financeiros necessários para a modernização e aumento da produtividade do setor.
Criou-se como opção a falta de recursos do Estado a idéia de "capitalizar" a Y.P.F.B. através do oferecimento dos chamados "Contratos de Riesgo Compartido". Abria-se, deste modo, a exploração do petróleo e gás natural aos grupos nacionais ou estrangeiros, ficando a antiga estatal com a obrigação de supervisionar a aplicação - por parte das empresas privadas - dos métodos mais adequados a exploração destes recursos minerais, conforme determinava o artigo 4 da lei 1689.
A idéia de capitalização não ficou restrita ao setor de combustíveis atingindo outros pontos importantes da economia boliviana que encontravam-se sob controle de empresas administradas pelo Estado. Assim, a rede de eletricidade, as telecomunicações, transportes aéreos, as ferrovias, o abastecimento de água e o estanho foram incluídos neste processo.



1.2.2 O órgão regulador
Para regular os setores capitalizados a lei 1600 de 28 de outubro de 1994 criou o "Sistema de Regulación Sectorial" (SIRESE) cuja estrutura dividia-se em "Superintendência General" e "Setoriales" incluindo a de "hidrocarburos". As funções das superintendências setorias foram determinadas no artigo 10 da citada lei e, nos casos do petróleo e gás natural, foram especificadas em diferentes artigos da lei 1689.
Ao SIRESE coube a autorga de concessões de exploração e transporte por via de dutos dos combustíveis, a fiscalização quanto a formação de monopólios, o estabelecimento dos volumes mínimos destinados ao abastecimento interno de gás e petróleo, licitar novos dutos e dentre outras atividades próprias de uma agência reguladora.
Entretanto, estas atividades, em pelo menos dois pontos conferiam a entidade reguladora um aspecto de regulamentadora. O primeiro estaria na determinação da quantidade de petróleo e gás a ser exportado (artigo 24 da lei 1689) tendo em vista o estabelecimento de uma cota para utilização no mercado interno e o segundo ao apresentar um preço máximo dos combustíveis para o mercado interno (artigo 81 da lei 1689). A possibilidade de intervenção do Estado no setor petrolífero - neste caso - não apresentou-se totalmente descartada, sugerindo aos concessionários certos limites ou cuidados relativos aos futuros investimentos.
A confiança dos concessionários no caráter absolutamente liberal e por isso regulador da nova legislação talvez estivesse no próprio artigo 24 da lei 1689 que contraditoriamente determinava:
Quienes celebren contratos de riesgo compartido con YPFB para la exploración, explotación y comercialización de hidrocarburos adquieren el derecho de prospectar, explotar, extraer, transportar y comercializar la producción obtenida. Se exceptúan de la libre comercialización de los mismos los volúmenes requeridos para satisfacer el consumo interno de gas natural y para cumplir con los contratos de exportación pactados por YPFB con anterioridad a la vigencia de la presente Ley. BOLÍVIA (1996)

Esta contradição, característica básica dos textos liberais, levantou uma nova questão relacionada a sua constitucionalidade pois, segundo empresários e políticos nacionalistas, o citado artigo transferia na prática a propriedade do petróleo e do gás aos concessionários.
A dúvida foi desfeita mediante decisão do Tribunal Constitucional que entendeu da seguinte forma o conteúdo do artigo 24 da lei 1689:
(...)Para el caso que nos ocupa es conveniente referirse al criterio coincidente expresado en la doctrina, sobre los contratos de riesgo compartido (joint-venture), en especial sobre su naturaleza jurídica, que es la de una asociación de personas físicas o jurídicas que “acuerdan participar en un proyecto común, generalmente específico (ad hoc) para una utilidad común, combinando sus respectivos recursos, sin formar ni crear una corporación (...) en sentido legal. No implica, a diferencia de la sociedad, una relación duradera entre las partes...” (citado por Sergio Le Pera, JOINT VENTURE Y SOCIEDAD) a su conclusión cada uno de sus componentes recupera o mantiene su propia individualidad que, además, la conserva durante la vigencia del contrato de riesgo compartido. En cuanto al objeto, por sus características es transitorio para uno o varios negocios. En consecuencia, la titularidad a la que se refiere el artículo único del DS impugnado, transcrito en el punto precedente, debe entenderse como los derechos y obligaciones emergentes de este tipo de contrato que tiene cada una de las partes, que por consiguiente no tienen dentro de él derecho propietario alguno, salvo sobre sus propios bienes e inversiones, reatados al riesgo del negocio convenido en el joint venture
Por lo expuesto se concluye en que el DS 24806 de 4 de agosto de 1997 no contradice las normas constitucionales mencionadas por los recurrentes, o sea los arts. 59.5ª., 7ª.; 30, 69 y 139 de la Ley Fundamental. BOLÍVIA (2003)

Desfeita a dúvida[1], quanto a constitucionalidade da lei 1689, a confiança dos setores possibilitou a continuidade dos investimentos externos nos setores do petróleo e do gás boliviano.
2. INVESTIMENTOS DA PETROBRÁS E A FLEXIBILIZAÇÃO DO SETOR
PETROLÍFERO NA BOLÍVIA.



2.1. O gasoduto
2.1.1. A atuação externa da PETROBRÁS
A Empresa Brasileira de Petróleo (PETROBRÁS) foi criada no ano de 1953 como forma de superar as dificuldades impostas pelos grupos monopolistas internacionais que impediam o avanço da indústria petrolífera no Brasil. Assim, a missão principal desta empresa seria a exploração, refino e distribuição do petróleo em território nacional contando para este fim, até o ano de 1994, com o monopólio deste setor da economia.
No final da década de 1960 - durante a gestão do General Ernesto Geisel naquela empresa - articulou-se a ampliação da área de atuação da PETROBRÁS resultando em uma nova política de investimentos externos. O acordo assinado em 1996 entre Brasil e Bolívia - apresentando como principal produto a construção de um gasoduto entre os dois países - pode ser entendido como resultante da política iniciada no período militar na qual a empresa brasileira priorizaria a exploração de combustíveis em áreas consideradas mais atrativas do ponto de vista econômico.
2.1.2. A construção do gasoduto Bolívia - Brasil e a associação entre Shell e PETROBRÁS
O controle do Gasoduto Bolivia-Brasil encontra-se dividido da seguinte forma: Em território boliviano é administrado pela Gás Transboliviano S/A empresa cujo controle acionário pertence a Shell. No Brasil a PETROBRÁS, através de sua subsidiária a Gaspetro, controla 51% da Transportadora Brasileira do Gasoduto Bolívia- Brasil (T.B.G.). Desta empresa participam ainda a BBPP Holding (El Passo, Total, British Gás) com 29% das ações, Transredes (Shell) com 12%, Shell com 4%.
Verifica-se desta forma que o controle do gasoduto Bolivia-Brasil - quanto a exportação - pertence na verdade a Shell empresa responsável ainda pela administração da Transrede cuja função é distribuir o gás no mercado interno daquele país.
A PETROBRÁS (através da T.B.G.) atuaria como distribuidora do gás no mercado nacional contando para este fim com a parceria da Shell - empresa que atua no ramo da distribuição de combustíveis desde as últimas décadas do século XIX.
O mercado de distribuição de combustíveis na Bolívia retomava assim a sua característica histórica de monopólio privado amparado em uma legislação, infra constitucional , cujo principal objetivo encontrava-se na proteção da exportação.
3. A Guerra do Gás
Esta política econômica direcionada para a exportação atinge o seu ponto de maior desgaste durante o segundo governo de Gonzalo Sanches de Lozada, que prosseguindo as negociações iniciadas por seu antecessor Jorge Queiroga, finaliza o projeto para o fornecimento de gás natural ao México e Estados Unidos utilizando como ponto de escoamento os portos Chilenos.
A atividade exportadora seria desenvolvida através do consórcio Pacific L.N.G. controlado pela Panamerican Energy e Brithish Energy e apresentava como principal necessidade para sua concretização um acordo comercial entre Bolívia e Chile. Estes entendimentos ocorreram em sua maior parte de forma secreta, pois - dentre outros aspectos - apresentava de modo subjetivo a renúncia boliviana a sua histórica reivindicação de acesso soberano ao Oceano Pacifico perdido para os chilenos na guerra de 1879.
Aos obstáculos históricos somavam-se denúncias de corrupção governamental[2] e prejuízos econômicos para a Bolívia em função dos baixos valores que seriam arrecadados pelo país que não ultrapassariam os 18% da produção.
O descontentamento de diferentes setores sociais diante deste possível acordo torna-se evidente e observa-se o registro em diferentes pontos da Bolívia de protestos que culminam, em outubro de 2003, com uma revolta popular que ficou conhecida como "La Guerra del Gas".
Este movimento, duramente reprimido pelo governo, apresentou como saldo negativo um número ainda desconhecido de mortos, um sério abalo nas instituições do Estado boliviano além de mergulhar o país em processo que poderia terminar com a eclosão de uma Guerra Civil.
A renúncia e exílio nos Estados Unidos do presidente Sanches Lozada proporcionou uma trégua no movimento das ruas conduzindo o vice presidente Carlos Mesa ao poder. Mesa apresenta como prioridade de seu governo uma reformulação na legislação do petróleo e gás aceitando a exigência dos movimentos sociais de realização de um referendum vinculante como forma de nortear a elaboração de uma nova lei para o setor.
3.1 O referendum vinculante e a nova legislação
Realizado em 18 de julho de 2004 o referendum vinculante apresentava as seguintes questões:
1)¿Está usted de acuerdo con la abrogación de la Ley de Hidrocarburos 1689 promulgada por Gonzalo Sánchez de Lozada? Sí o No.2) ¿Está usted de acuerdo con la recuperación de la propiedad de todos los hidrocarburos en boca de pozo para el Estado boliviano? 3) ¿Está usted de acuerdo con refundar Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos, recuperando la propiedad estatal de las acciones de las bolivianas y los bolivianos en las empresas petroleras capitalizadas, de manera que pueda participar en toda la cadena productiva de los hidrocarburos? 4) ¿Está usted de acuerdo con la política del presidente Carlos Mesa de utilizar el gas como recurso estratégico para el logro de una salida útil y soberana al océano Pacífico? 5) ¿Está usted de acuerdo con que Bolívia exporte gas en el marco de una política nacional que cubra el consumo de gas de las bolivianas y los bolivianos, fomente la industrialización del gas en territorio nacional, cobre impuestos y/o regalías a las empresas petroleras llegando al 50 por ciento del valor de la producción del gas y el petróleo en favor del país; destine los recursos de la exportación e industrialización del gas, principalmente para educación, salud, caminos y empleos?

A vitória do SIM nos cinco pontos levantados no referendum obrigou a elaboração de uma nova legislação para o petróleo e o gás bolivianos cuja principal característica - considerando a decisão popular - seria uma tendencia a nacionalização e estatização do setor.
Entretanto, o projeto apresentado pelo governo de Carlos Mesa mostrou-se conservador e pouco receptivo a idéia de estatização. O governo admitia alterações no valor dos impostos, e a divisão da Y.P.F.B. em duas empresas sendo uma autárquica responsável pela administração dos contratos e outra mista cuja função seria explorar e comercializar gás e petróleo.
No parlamento diferentes partidos - incluindo o M.A.S. (Movimento ao Socilismo) dirigido pelo então deputado Evo Morales - apresentam um projeto de lei que acreditam aproximar-se do resultado do referendum vinculante cujo conteúdo expressa a estatização.
Aprovada pelo parlamento a nova lei é recusada pelo presidente Carlos Mesa que, discordando do caráter estatizante da nova legislação, apresenta sua renúncia.
4. A lei 3058 de 17 de maio de 2005
Diante deste quadro a nova lei de "hidrocarburos" da Bolívia é sancionada pelo parlamento iniciando assim o processo de nacionalização e estatização do petróleo e gás daquele país.
Esta característica nacionalista, presente na nova lei, pode ser entendida como resultante de uma exigência da sociedade boliviana que respondeu - majoritariamente - sim as perguntas um e dois do referendum vinculante exigindo desta forma o controle pelo Estado dos minerais energéticos. A lei 3058 segue esta orientação e determina em seu artigo 5º:
(...) se recupera la propiedad de todos los hidrocarburos en Boca de Pozo para el Estado Boliviano. El Estado ejercerá, a través de Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), su derecho propietario sobre la totalidad de los hidrocarburos. BOLÍVIA (2005)

No mesmo artigo surge a data para a terceira estatização dos "hidrocarburos" da história boliviana que deveria iniciar-se em 180 dias. Este prazo não foi cumprido ficando as empresas do setor atuando no país em desacordo com a legislação possivelmente esperando ou articulando modificações no texto legal que as mantivessem intocáveis.
Esta modificação não ocorreu e passados doze meses o presidente Evo Morales assina o Decreto 28701 determinando a nacionalização dos hidrocarburos.
Conclusão
Diante das modificações verificadas no setor petrolífero da Bolívia os meios de comunicação e as empresas atingidas mostram-se "surpresas" e "indignadas" apresentando-se - estas últimas - como vitimas de uma grande injustiça.
Contudo este trabalho torna possível observar que o processo de abertura econômica aplicado na Bolívia, a partir dos anos de 1990, desenvolveu-se sem a devida sustentação legal contrariando, inclusive, a Constituição daquele país em seus artigos 136, 137 e 139.
Nos citados artigos constitucionais os hidrocarburos são entendidos como bens nacionais de domínio originário, direto, inalienáveis e imprencidiveis do Estado, constituindo em propriedade pública inviolável. Entretanto, as empresas petrolíferas preferiram ignorar a Constituição estabelecendo contratos fundamentados na legislação criada especialmente para atender a política de privatização do governo Sanches Lozada.
Possivelmente acreditando em uma não reversão do neoliberalismo como pensamento e atitude econômica hegemônica, as empresas petrolíferas passaram a encarar a Bolívia como um simples fornecedor de matéria prima. Deste modo apressaram-se em criar condições para retirar do subsolo daquele país da maior quantidade possível dos recursos que por lei eram considerados patrimônio da nação.
O gasoduto Bolívia - Brasil seguiu esta lógica criando um caminho perigoso para os dois pobres povos sul-americanos. O resultado deste encontro foi para os bolivianos o prejuízo de ter retirado de seu patrimônio uma parcela considerável do gás natural mediante o pagamento de impostos baixíssimos e aos brasileiros a dependência de um combustível de origem estrangeira com todas as implicações que esta situação oferece a economia e segurança de um país.
De um lado e do outro dois perdedores que na realidade não passavam de clientes da Shell esta, como sempre, lucrando ao realizar o transporte através do seu gasoduto. No passado uma situação muito próxima deu origem a chamada "Guerra do Chaco" entre Bolívia e Paraguai. Neste conflito morreram mais de cem mil pessoas que jamais imaginaram que por detrás das bandeiras e dos hinos escondiam-se os interesses da Standard Oil e de uma empresa anglo holandesa.
* Mestre em Direito Historiador Diretor da Fundação Brasileira de Direito Econômico

[1] A decisão do Tribunal Constitucional contou com o voto dissidente do Magistrado Rolando Roca entendendo este que:
En consecuencia, de una interpretación contextualizada de la Constitución, los hidrocarburos, que son riquezas naturales del subsuelo- son bienes nacionales, sin que pueda hacerse una separación (con diferente régimen jurídico) entre el yacimiento y la producción en boca de pozo; pues, conforme a la Constitución, ambos constituyen riquezas naturales hidrocarburíferas que pertenecen sólo al Estado, y cuya propiedad no puede ser transferida; por lo que el DS impugnado, al aprobar el Modelo de Contrato de Riesgo Compartido para Áreas de Exploración y Explotación por Licitación Pública, que en su Claúsula Tercera otorga la propiedad de los hidrocarburos en Boca de Pozo a las empresas hidrocarburíferas, vulnera no sólo el art. 139, sino también el art. 136 de la Constitución. BOLÍVIA (2003)
[2] O diplomata chileno Edmundo Pérez Yoma - resposável pelos entendimentos com o governo boliviano- descreve em seu livro "Una missión, las trampas de la relación chileno boliviana" os detalhes destas negociações.

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