DOUTRINA
DE SEGURANÇA NACIONAL COMO
FATOR
DE SUBORDINAÇÃO IMPERIALISTA
Wladmir
Coelho
Em 1931 escrevia o então
capitão Mário Travassos em seu livro Projeção Continental do Brasil: “A
influência mundial dos Estados Unidos é hoje realidade que não se discute.
(...) É servidão contra a qual inutilmente se debatem os que contra ela se
revoltam.”
Travassos revela neste
ponto o inequívoco movimento do imperialismo estadunidense em direção a América
do Sul prevendo como porta de entrada as bacias do Orinoco – a partir da
Venezuela – e do Magdalena na Colômbia.
O motivo do interesse
imperialista na região, descreve Travassos, encontra-se na “importância avassaladoramente
crescente do avião e do automóvel, sem dúvida nenhuma cabem a borracha e ao
petróleo as referencias que devem balizar as influências poltitico-econômicas
yankees no território sul-americano.”
Decorridos 88 anos da
primeira publicação da obra aqui citada verificamos a Colômbia transformada, a
pretexto do combate ao tráfico de drogas, em gigantesca base militar
estadunidense enquanto a Venezuela é pressionada, através da ameaça de ocupação
militar, a rever o processo de nacionalização petrolífera efetivada durante o
governo do coronel Hugo Chaves.
Travassos, inicialmente,
revela em sua constatação a respeito do expansionismo estadunidense uma frase,
cujo teor, pode conduzir ao conformismo afirmando a inutilidade do combate da
servidão ao império.
Entretanto sua obra vai
apresentar uma grande preocupação com o papel do Brasil diante do imperialismo
estadunidense e deste, quais seriam os principais problemas a superar como
forma de garantir a integridade territorial brasileira, a soberania, somados
estes ao fato projeção ou liderança da América do Sul.
Este aspecto
possivelmente é esclarecido no prefácio de Pandiá Calógeras ao entender a
defesa da integridade territorial brasileira e sua independência em relação ao
imperialismo como condição de garantia da paz afirmando: “torna-se
luminosamente claro o papel de pacificador, com poder de coordenar de suavizar
conflitos, que pode caber ao Brasil.”
Calógeras vai defender
para o Brasil a condição de liderança do subcontinente apresentando como
requisito para a efetivação deste princípio a necessária independência em
relação ao imperialismo estadunidense. Devemos aqui recordar como origem do
nacionalismo de Pandiá Calógeras os princípios de Friedrich List caracterizados
pela defesa de um sistema econômico nacional aspecto, em princípio, oposto ao
imperialismo amparado este na expansão territorial.
O necessário
fortalecimento de um sistema econômico nacional, para utilizarmos o termo de
Friedrich List, vai surgir de forma cristalina durante a II Guerra Mundial
diante do desabastecimento brasileiro, incluindo a falta de combustíveis
importados em sua totalidade do truste estadunidense da Standard Oil.
Retomamos aqui a previsão
do Capitão Mário Travassos, em 1931, a respeito dos objetivos estadunidenses em
controlar o petróleo da Venezuela e somamos ao fato a participação de Pandiá Calógeras
em todo o processo que resultou no primeiro Código de Minas de 1934 no qual
abria-se o espaço para a nacionalização da produção mineral brasileira.
A
Escola Superior de Guerra e a doutrina da submissão ao imperialismo
estadunidense
Após a II Guerra Mundial
o discurso nacionalista no continente americano vai sofrer um ataque mais
organizado fundamentado no principio da internacionalização da segurança
nacional dos Estados Unidos transformado este, em função da Guerra Fria, em
fator continental.
No Brasil o general
Juarez Távora torna-se o principal porta voz da tese da Segurança Continental
condenando, inclusive, o desejo popular e nacionalista de criação de uma
empresa estatal para exploração e comercialização do petróleo.
Segundo Távora o petróleo
brasileiro vai representar um papel vital diante de um eventual ataque
soviético ao continente criando este fato a associação do mineral às
necessidades da defesa continental estando esta a cargo do Exército dos Estados
Unidos.
Neste ponto a condição
nacionalista em defesa do fortalecimento do mercado interno através da criação
de um parque industrial nacional, garantindo seu funcionamento a partir da
exploração do petróleo por uma empresa brasileira controlada pelo Estado
assume, em função do principio da Segurança Continental, a condição de ação
contrária aos interesses dos Estados Unidos recebendo, no jargão entreguista, o
rótulo de antidemocrático e comunista.
Todavia ainda faltava aos
defensores do imperialismo estadunidense uma sistematização ou doutrina deste
pensamento e associado a este uma proposta clara para a implantação de um
regime regido através destes princípios.
A criação da Escola
Superior de Guerra em 1949 vai representar a oportunidade de sistematização do
pensamento de submissão da política econômica brasileira aos interesses do
imperialismo estadunidense, inclusive, no interior das Forças Armadas marcadas,
naquele momento, por evidente divisão entre nacionalistas e entreguistas.
O fenômeno da divisão
entre os militares será evidenciado, inclusive, nos processos de disputa pelo
controle do Clube Militar notadamente no episódio da eleição do General
Estillac Leal, derrotando o general Cordeiro de Farias, para presidente da
instituição.
Destaco aqui a posição
crítica do General Estillac Leal diante da legitimidade da intervenção
estadunidense na guerra da Coréia somado a clara defesa do militar a criação da
futura Petrobras.
Esta crise foi
transplantada para o governo quando Getúlio Vargas empossa no cargo de Ministro
da Guerra o general Estillac Leal tornando-se a gestão deste alvo de ataques
dos setores entreguistas do Exército vitoriosos, afinal, com a demissão deste e
posteriormente com a crise que leva Vargas ao suicídio.
Retomando a criação da
Escola Superior de Guerra devemos lembrar que sua estrutura foi uma cópia da
estadunidense National War College de Washington e sua implantação foi
monitorada, durante doze anos, por militares dos Estados Unidos.
A criação da Escola
Superior de Guerra decorre da aproximação, durante a II Guerra Mundial, entre
os militares brasileiros e seus homólogos estadunidenses exercendo este grande
fascínio sobre aqueles diante do poderio armamentista, organização e poder
político e econômico demonstrado.
O primeiro comandante da
Escola Superior de Guerra, General Cordeiro de Farias, explica os fundamentos
ideológicos para a criação da instituição e sua relação com a guerra: “O
impacto da FEB foi tal que voltamos para o Brasil em busca de modelos de
governo que pudessem funcionar: ordem, planejamento, racionalização das
finanças. Não tínhamos este modelo no Brasil naquela época e tomamos a decisão
de procurar meios para encontrar o caminho a longo prazo. A Escola Superior de
Guerra era um meio para essa finalidade.”
O general Cordeiro de
Farias em sua narrativa aponta um projeto de tomada de poder em um espaço
diretamente associado ao imperialismo estadunidense e no qual será desenvolvido
o debate a respeito da criação da Doutrina de Segurança Nacional exatamente
pelo grupo de maior poder após o golpe militar de 1964.
A unidade deste grupo
será observada no episódio da crise de 1954 resultando esta no suicídio do
presidente Getúlio Vargas, na tentativa de golpe em 1961 quando os ministros
militares tentaram impedir a posse de João Goulart.
O
golpe de 1964 e a Doutrina da Segurança Nacional
O general Cordeiro de
Farias, em sua narrativa a respeito da criação da Escola Superior de Guerra,
afirma buscar um governo da ordem para o Brasil e foi exatamente este o discurso
a prevalecer e justificar o golpe militar de 1964.
O presidente João Goulart
assume um discurso nacionalista notadamente direcionado a proteção da economia
nacional com destaque a garantia do abastecimento de combustíveis integrando ao
monopólio da Petrobras a importação de petróleo. Este ato vai intervir
diretamente nos interesses dos trustes estadunidenses cuja prática implicava em
importar petróleo superfaturado justificando a remessa de recursos ao exterior.
Goulart também vai propor
uma série de reformas consideradas vitais ao processo de desenvolvimento
brasileiro notadamente aquelas relativas ao controle das remessas de lucros,
reforma agrária inicialmente envolvendo terras próximas a benfeitorias
efetivadas através do Estado como rodovias, ferrovias, açudes.
A política externa do
presidente João Goulart distancia-se da simples adesão aos postulados
estadunidenses aspecto verificado, por exemplo, na posição em defesa da
soberania cubana durante a crise dos mísseis soviéticos.
Devemos ainda acrescentar
a preocupação do governo Goulart em oferecer continuidade a duas inciativas
presentes na Carta Testamento de Vargas: a efetivação da Petrobras e a criação
da Eletrobras.
Com relação a primeira
Goulart determinou a criação de nova missão internacional para estudos do
potencial petrolífero brasileiro estando este subestimado desde o relatório de
Mr. Link que afirmava não existir petróleo em condições de exploração comercial
em solo brasileiro.
Uma comissão soviética
constatou exatamente o oposto verificado por Mr. Link afirmando a existência de
condições comerciais para exploração petrolífera em diferentes pontos do
Brasil.
Com relação a Eletrobras
João Goulart assumiu a efetivação da empresa em 11 de junho de 1962 criando os
fundamentos necessários a ampliação do projeto de industrialização nacional e
eletrificação das diferentes regiões brasileiras através de um planejamento
nacional.
A desordem encontrava-se
exatamente no processo de rompimento das amarras imperialistas atingindo o
poder dos trustes do petróleo possibilitando este fato a retomada do velho
discurso da ameaça à democracia considerando esta, como sinônimo de preservação
da política estadunidense de defesa do continente contra a União Soviética.
O golpe militar vai levar
ao governo exatamente os defensores do projeto de poder desenvolvido na Escola
Superior de Guerra destacando-se destes o general Castello Branco, Golbery do
Couto e Silva e Cordeiro de Farias.
Destes o primeiro
tornou-se ditador, o segundo participou ativamente dos diferentes governos e o
último ocupou cargo de ministro abrindo caminho para outros tantos alunos do
estabelecimento que passaram a ocupar cargos de destaque durante todo o período
ditatorial.
Vejamos neste ponto a
concretização de conquista do poder planejada em 1949, efetivada a partir de
1964 através do golpe e instituição dos governos militares possuindo estes
poderes ilimitados para promover um grande expurgo nas instituições do Estado
brasileiro, inclusive nas Forças Armadas eliminando de suas fileiras todos
aqueles considerados nacionalistas, comunistas ou simplesmente democratas
defensores da legalidade.
A
retomada das teses da Doutrina da Segurança Nacional
O fim do período militar
não significou a total modificação dos princípios observados na Doutrina de
Segurança Nacional, contudo durante o período de validade do acordo da chamada
Nova República o tema segurança nacional associado à condução da economia em submissa
obediência aos ditames do imperialismo estadunidense mereceu menor destaque ou
pelo menos não constituiu elemento principal do discurso das casernas ou dos parlamentos.
Naturalmente a supressão
do termo segurança dos aspectos associados a economia não significou ausência
dos elementos fundantes da Doutrina de Segurança Nacional na condução das
políticas econômicas posteriores à ditadura.
Nesse aspecto verifica-se
a imediata adesão do Brasil, durante os governos Collor e Fernando Henrique
Cardoso, ao chamado neoliberalismo e consequente privatização das empresas
públicas notadamente o inicio do processo de destruição da Petrobras.
Nesse ponto retomamos a
questão segurança nacional dos Estados Unidos como parâmetro para a política
econômica brasileira considerando, neste momento histórico, não a ameaça
comunista, mas o principio ideológico liberal como forma de garantir acesso das
empresas estadunidenses ao controle do petróleo brasileiro.
Na América do Sul a
Venezuela, a partir do governo Hugo Chaves, destaca-se no sentido de promover a
maior nacionalização possível de sua produção petrolífera sem chegar, todavia,
a exclusão das empresas estadunidenses do processo de exploração petrolífera.
No Brasil um processo de controle
da exploração do chamado pré-sal apresentou-se de forma mais amena, contudo
garantia à Petrobras uma participação no processo de exploração limitando, em
determinada escala, a participação de empresas estrangeiras e garantindo um
controle maior da política econômica do petróleo.
Não foi sem ligação com
este fato que iniciou-se uma intensa campanha contra a Petrobras com acusações de
corrupção transformando a empresa, diante da opinião pública, em verdadeira
inimiga do país.
O incrível a observar neste
episódio está na junção da campanha contra a Petrobras a retomada do discurso da
segurança e defesa da democracia rotulando o governo Dilma de comunista em
processo semelhante aquele sofrido por João Goulart.
O resultado não foi diferente,
ou seja, um novo golpe foi efetivado gerando os meios para a prisão do ex-presidente Lula e desta as
condições para eleição do atual presidente cujo discurso de submissão ao
imperialismo estadunidense encontra eco exatamente nos fundamentos da Doutrina
de Segurança Nacional.
O atual presidente, como
sabemos, possui formação militar e seu vice é um general, contudo nenhum dos
dois participou em cargos relevantes durante a ditadura militar, mas a formação
profissional efetivou-se neste período.
Neste caso fica uma nova
questão quando verificamos a postura daqueles militares formados em momento
posterior a ditadura militar inexistindo, por parte destes, qualquer
manifestação contrária a política de submissão imperialista.
Ao que podemos entender a
política de expurgo promovida nos quartéis após o golpe de 1964 garantiu e
garante um posicionamento das Forças Armadas quanto ao principio da segurança
nacional apoiado nos princípios da consubstanciação da segurança nacional dos
Estados Unidos em interesse continental.
As recentes solenidades
de comemoração do golpe de 1964 realizadas nos quartéis revelam este aspecto e
apontam o quanto nossos militares encontram ideologicamente atrelados aos princípios
da Doutrina de Segurança Nacional.
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