LIVRE
COMÉRCIO E TRATADO DE METHUEN;
A
VISÃO DE WASHINGTON ALBINO PARA SUPERAÇÃO DO COLONIALISMO NO BRASIL
Wladmir
Coelho
Em tempos de aclamação do
neoliberalismo e recorrente ataque a chamada intervenção do Estado na economia
relembro a obra do professor Washington Peluso Albino de Souza denominada “Ensaios
sobre o ciclo do ouro: fenômeno cultural mineiro e o Tratado de Methuen”
publicada em 1979.
Neste texto focalizarei a
segunda parte da citada obra dedicada a analise do Tratado de Methuen e a crítica
do autor a abordagem do tema por Adam Smith em seu “Inquérito sobre a natureza
e as causas riqueza das nações” ou simplesmente “A riqueza das nações” bem como
a forma de apropriação do texto do pensador britânico pelas classes dominantes
brasileiras.
A crítica de Souza completa-se
analisando a tradução do livro de Smith por Bento da Silva Lisboa o Barão de
Caiuru, em 1811, apresentando esta a omissão dos aspectos considerados
negativos à economia portuguesa decorrentes da assinatura do Tratado de Methuen.
A omissão ou cortes de
trechos é justificada pelos autores em função da tradução apresentar-se como um
compendio, contudo Souza revela a preocupação destes em ocultar exatamente as
passagens nas quais evidenciam-se os prejuízos de Portugal decorrentes do
citado tratado com especial destaque a utilização do ouro de Minas Gerais como
elemento financiador da consolidação do processo de industrialização inglesa.
Esta omissão podemos
associar, inicialmente, a condição oficial da tradução editada pela “Impressão
Régia” evitando seus autores possível veto ou futuros constrangimentos em
função das inevitáveis críticas aos ilustres antepassados do Príncipe Regente.
A análise de Souza vai
apontar a omissão como resultante da ideologia liberal a qual eram filiados os
autores resultando este fato em adequação forçada da realidade aos elementos fundantes
do citado pensamento.
O próprio Smith, devemos
recordar, ignorou ou omitiu – Souza defende a segunda opção – as consequências do
ouro de Minas carreado à economia inglesa aplicando prática semelhante de
análise de seus nobres admiradores de 1811.
O
Tratado
O Tratado de Methuen fora
assinado em 1703 e desta data a publicação da Riqueza das Nações decorreram-se
70 anos e Smith, em seu esforço de adequar a realidade a ideologia, subestima aspectos de amplo conhecimento relativos a exploração
aurífera de Minas Gerais levando Souza a seguinte conclusão: “Tudo isto leva-nos
a situar Smith, neste particular, como um tanto simplista e em desacordo com a
acuidade revelada para outros problemas analisados em profundidade.
”
O Tratado de Methuen,
revela Souza, ocorre de forma simultânea as notícias de descoberta do ouro em
Minas Gerais, possuindo os britânicos informações do achado e da importância deste
fato que elevou o Brasil ao “centro de atrações e de interesses do mundo europeu
capitalista, em formação sobre bases mercantilistas.”
Temos ainda neste
contexto a disputa entre a Inglaterra e a França considerando o acesso do segundo
à prata espanhola originária das colônias na América criando os meios de
acumulação, ao modo mercantilista, necessários ao fortalecimento das iniciativas
industriais francesas.
Os franceses, quanto a
importância do ouro de Minas Gerais, possuíam informações e interesses em
domina-lo conforme aponta Souza:
“(...) A correspondência
de Ambroise Jauffret com o Primeiro Ministro daquele país e a atuação de
Duguay-Trouin, armado em corso após entrevista secreta com Luiz XIV, são outros
pontos a serem melhor estudados para demonstrar que a região do ouro brasileiro
não se comportava na visão europeia como simples ponto distante de colônia
portuguesa, mas assumia posição de interesse e alimentava a consciência de sua importância
diante das demais nações europeias.”
Vejamos neste ponto que ignorar
a importância econômica do ouro brasileiro adotando visão “simplista” de Smith vai
implicar em adoção histórica dos conceitos liberais omitindo, por exemplo, a
presença do Brasil “na configuração da revolução industrial inglesa do fim do Sec.
XVIII e no quadro da formação do capitalismo moderno” aponta Souza.
O estudo da obra de Smith
no Brasil, indica o professor Washington Albino, foi iniciado a partir da simples
submissão ao “colonialismo cultural” partindo da omissão de base ideológica
impedindo esta a crítica a forma adotada pelo autor de A riqueza das Nações em
sua análise do Tratado de Methuen.
Smith vai apresentar uma
análise do Tratado de Methuen no capítulo VI do livro IV da Riqueza das Nações no
qual analisa os sistemas de economia política dedicando espaço a crítica do
Mercantilismo criando deste modo as condições para a legitimação de sua posição
liberal.
A respeito do tratamento
oferecido por Smith ao estudo do Tratado de Methuen o professor Washington
Albino realiza uma análise comparativa entre o original e aquele traduzido em
1811 concluindo que o “tradutor podou trechos do original justificando este
procedimento pela adoção do título de compendio.
”
Destes trechos podados, cinco
em sua totalidade, vamos destacar aquele cuja contradição analítica de Smith
vai apontar a posse do ouro originado de Minas Gerais como principal objetivo
do citado tratado.
Smith inicia o citado
trecho apresentando sua conhecida opinião contrária aos tratados internacionais
associando estes à prejuízos ao conjunto da economia visto o comprometimento da
livre concorrência, contudo abre uma exceção ao tratado de Methuen:
“(...) Alguns tratados de
comércio, todavia, têm sido considerados vantajosos com base em princípios muito
diversos; e um país comerciante admite, às vezes, um monopólio desta espécie,
contra o seu próprio interesse, para certas mercadorias de uma nação
estrangeira, porque espera que a totalidade do intercâmbio comercial entre
ambas, venda anualmente mais do que compre e que a balança em ouro e prata
possa ser anualmente a ela favorável. Com base nesse princípio, foi que o
Tratado de Comércio entre a Inglaterra e Portugal, concluído em 1703, por Mr.
Methuen, tem sido elogiadíssimo.”
Segundo Souza a exceção
apontada por Smith resulta do uso de “argumentos liberais, nesse trecho, para
combater as vantagens obtidas pela posição inglesa, mas acabou sendo traído pelos
próprios argumentos mercantilistas. Aí está o erro ou a má fé com que se
conduziu na análise, pois que aceita certas teses que favorecem o ponto de
vista do Mercantilismo ou, pelo menos, não coincidente com o pretendia
demonstrar, que era a posição desvantajosa para a Grã-Bretanha.”
Completando Washington
Albino afirma: “Se afirma que os lucros ingleses poderiam ser maiores no caso
de ter sido adotada a livre concorrência, reconhece, entretanto, que o Tratado
de Methuen garantiu o recebimento do ouro e prata por esta nação.”
Devemos ainda considerar
que envolvendo a livre comercialização do vinho português em território inglês
em troca da entrada dos tecidos deste país em Portugal os primeiros garantiam o
acesso ao mercado que iniciara-se, no Brasil, em função da exploração aurífera fato
que elevou substancialmente no número de habitantes na região das Minas.
Como sabemos as regiões
dedicadas a exploração do ouro não apresentam como característica a
diversificação produtiva ficando desta forma a população da região, Souza
aponta pelo menos meio milhão de habitantes nas Minas, vestidos todos com
tecidos de origem inglesa.
Retirados de Minas Gerais
o ouro e a prata terminaram oferecendo à Inglaterra os meios para acumulação e
deste a condição de destaque no comércio mundial considerando a compra de
mercadorias das Índias e da China somado a criação de um monopólio para seus
tecidos em Portugal e suas colônias e destas, através do descaminho, a
penetração em áreas de controle espanhol na América do Sul.
Em seu trabalho o
professor Washington Albino aponta a necessidade de rompimento com o modelo analítico
que restringe o estudo da consolidação do capitalismo a partir das antigas metrópoles
revelando no saque aos países americanos a base para a acumulação e consequente
desenvolvimento da indústria e comercio inglês e deste ao imperialismo.
Destas analises de caráter
histórico decorrem os fundamentos da obra geral do professor Washington Peluso
Albino de Souza pautada na necessidade do rompimento do modelo de exploração de
base colonial ainda presente no Brasil e neste momento agravado em função da eliminação
dos instrumentos mínimos de enfrentamento ao imperialismo.
A defesa do planejamento
econômico também apresenta-se na obra do professor Washington Albino como importante
recurso à superação do modelo econômico de base colonial necessitando este de
clara definição e proteção estatal dos recursos estratégicos.
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