‘O Leilão do Petróleo é ilegítimo,
deve ser anulado’
ESCRITO POR VALÉRIA NADER E GABRIEL BRITO, DA REDAÇÃO |
QUARTA, 15 DE MAIO DE 2013 PUBLICADO NO CORREIO DA CIDADANIA: HTTP://WWW.CORREIOCIDADANIA.COM.BR/INDEX.PHP?OPTION=COM_CONTENT&VIEW=ARTICLE&ID=8373:MANCHETE150513&CATID=34:MANCHETE |
Seguindo sua triste saga colonial, o Brasil continua a viver ciclos de expansão econômica a partir da exploração desenfreada de matéria prima privilegiada. A exemplo de tantos outros momentos históricos, sempre sob a arbitragem dos interesses externos. Um novo capítulo dessa subjugação se deu na terça-feira, 14 de maio, quando o país promoveu a 11ª rodada de leilões do petróleo e entregou 142 de 289 blocos disponíveis às petroleiras inscritas.
Trata-se, sem meias palavras, de um dos maiores assaltos econômicos que se podem registrar no país, promovido pelo governo em associação com grandes grupos econômicos das principais potências. Para a mídia corporativa, o que ocorreu foi uma “arrecadação recorde” para o governo, cerca de 3 bilhões de reais. Faltou dizer o que se deixa de arrecadar, potencialmente: algo em torno de 1,5 trilhão de reais, segundo avaliação de vários e experimentados especialistas no ramo, além do inexorável comprometimento de nossa soberania no uso e exploração do recurso energético mais estratégico dos últimos dois séculos.
Vale lembrar que o leilão do petróleo do dia 14 foi promovido sob amparo da lei do petróleo 9478/97, aquela que quebrou o monopólio da exploração do petróleo pela Petrobras no governo FHC. Lei à época crucificada pelos setores progressistas, muitos dos quais membros posteriores dos governos Lula e Dilma, que prometeram, cada um a seu tempo, reverter os efeitos deletérios da referida lei. O que foi somente parcialmente levado a cabo, com a mudança no sistema de exploração apenas da camada do Pré-Sal, para qual passou a vigorar o sistema de partilha do ouro negro, no lugar da mera concessão da exploração às empresas vencedoras dos leilões, em troca do pagamento de irrisórios royalties.
Para as agências reguladoras, criadas em meio à era neoliberal sob a retórica de regular o mercado e defender os interesses dos cidadãos, não tem restado nada além do que um papel estéril, quase patético (sob o ponto de vista do cidadão, obviamente). A Agência Nacional do Petróleo é, no dia de hoje, 15 de maio de 2013, o exemplo maior dessa constatação – não somente está bem longe de defender os interesses soberanos do país e de seu povo na área que é de sua responsabilidade, como agiu de modo coordenado, junto a governo e empresas, no incentivo da mais recente pilhagem.
A seguir, o leitor pode conferir depoimentos de quatro diferentes especialistas do ramo, colaboradores freqüentes do Correio, concedidos especialmente ao jornal, denunciando a ilegitimidade do evento. Logo após os depoimentos, está uma ampla seleção de textos, da redação, de colunistas e de colaboradores, entre aqueles que o Correio vem corriqueiramente publicando ao longo dos últimos anos na análise do tema. Foram selecionados textos de 2010 até hoje, que estão separados por autor e em ordem decrescente no tempo.
Confira abaixo.
Angústia no corredor da morte
Paulo Metri – engenheiro e membro do Clube de Engenharia
A execução estava marcada para o dia 14 de maio, às 9 horas da manhã. Todos esperavam um telefonema da presidente da República, que a cancelaria.
Nosso crime foi o de não querer ser roubado por grupos poderosos estrangeiros, que exterminam nosso futuro. Se querer o prometido “passaporte para o futuro” é crime, somos criminosos.
O que nos doi é que votamos, em 2010, na candidata que prometeu que não existiriam mais execuções no seu governo. Ela venceu; no entanto, de tempos em tempos, estamos no corredor da morte.
A execução ocorreu na data e, então, a melhoria da saúde, educação, saneamento, habitação, transporte e de outros setores será esquecida. A fonte dos recursos para estas melhorias vai ser colocada no interior de petroleiros estrangeiros, que sumirão no horizonte, transformando nossas melhorias em superlucro para as petrolíferas.
Estamos falando da 11ª rodada de leilões de blocos de petróleo que o governo brasileiro realizou. O executado foi povo brasileiro!
Pelo cancelamento dos leilões da 11ª rodada de entrega
Ildo Luís Sauer – professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP e ex-diretor de Petróleo e Gás da Petrobrás
O petróleo continuará a ser a fonte de energia mais disputada em termos geopolíticos, em razão de seu baixo custo e grande facilidade de conversão em trabalho e movimento na estrutura de produção e de circulação de bens e pessoas.
O Brasil, mercê do esforço já empreendido pela Petrobrás, tem assegurado mais de 50 bilhões de barris no pré-sal, além dos cerca de 15 bilhões de barris de petróleo convencional do Pós-Sal. Até agora no pré-sal há: Tupi (Lula) – 9 bilhões de barris de reservas de óleo equivalente (óleo, gás e condensado); Iara – 4 bilhões; Carioca – 10 bilhões; Franco – 9 bilhões; Libra – 15 bilhões, Guará - 2 bilhões; área das baleias - 5 bilhões; e vários outros. Isso garante o abastecimento das necessidades brasileiras por mais de meio século.
Portanto, não há razão alguma para promover contratos de concessão ou de partilha, que por si definem o ritmo de produção, segundo a lógica microeconômica dos sócios dos contratos, e não no interesse geopolítico do país, que precisa coordenar a produção com a OPEP, com a Rússia e demais produtores.
A prioridade do país deveria ser a conclusão do processo exploratório da nova província petrolífera: saber qual o volume do recurso – se são 50, 100, 200 ou até 300 bilhões de barris. Basta contratar a Petrobras, como permite a lei, para realizar cerca de 100 poços exploratórios, sobre a área do pré-sal, a um custo de cerca de 6 bilhões de dólares. A partir deste conhecimento, é possível definir o ritmo de produção apenas para abastecer as necessidades internas e gerar excedente econômico para financiar um plano nacional de desenvolvimento econômico e social, com ênfase na educação e saúde públicas, na reforma urbana e agrária, na ciência, tecnologia, proteção ambiental, transição energética para fontes renováveis e infraestrutura produtiva.
Continuar entregando o petróleo, como têm feito FHC, Lula e Rousseff, apenas atende aos interesses dos grupos financeiros e das companhias petrolíferas e empresas que atuam na cadeia produtiva, internacionais e brasileiras, dada a dificuldade de acesso a novas províncias petrolíferas, hoje sob controle estratégico de Estados Nacionais. O Brasil é dos raros contraexemplos de submissão a esses interesses, em detrimento dos de seu povo.
Portanto, todos os leilões de áreas devem ser cancelados.
A retomada da tradição colonial
Wladmir Coelho – mestre em Direito e membro do Conselho Curador da Fundação Brasileira de Direito Econômico
A exploração petrolífera no Brasil, considerando-se o período republicano, apresentou momentos distintos, alternando do liberalismo clássico (presente na Constituição de 1891) ao intervencionismo nacionalista, representado na Lei 2004 de 1953, que estabeleceu o monopólio da Petrobrás. Diga-se de passagem, a legislação possibilitava esta alternativa desde a Constituição de 1934, aspecto mantido ainda hoje.
A primeira fórmula – amparada na ideologia liberal – foi ideal ao projeto dos oligopólios internacionais de controlar áreas com potencial produtivo, tendo em vista os impedimentos que criavam as iniciativas de exploração petrolífera brasileiras.
A criação da Petrobrás rompeu com este modelo colonial, possibilitando a criação de uma empresa para garantir a autossuficiência nacional. Passados 60 anos, retornamos à antiga fórmula, amparada na ideologia liberal, na qual os interesses nacionais passam a ser submetidos às normas do maior lucro possível ao menor custo para os oligopólios.
Como é possível observar, a pressa para a realização dos leilões das áreas petrolíferas retoma a tradição colonial de exportação de matéria prima. O pior: os detentores do poder criam uma espécie de revisionismo, transformando a empresa símbolo do projeto de libertação nacional em instrumento de avanço dos oligopólios, reduzindo a sua função à descoberta de áreas produtivas para posterior entrega às vontades e necessidades dos grupos de sempre.
Assim, a campanha publicitária oficial, relativa ao petróleo nacional, seguiu o mesmo modelo da ditadura. Fantasiados de verde e amarelo, entoando canções nacionalistas, os ditadores criavam os meios legais para a desnacionalização da economia, incluindo a criação dos chamados Contratos de Risco, quebrando na prática o monopólio da Petrobrás. Hoje vendem a ilusão dos investimentos internacionais.
Diante dos leilões, devemos todos questionar a sua legitimidade, tendo em vista a entrega de um bem natural fundamental para a segurança energética, isso sem mencionar os riscos à defesa da soberania nacional.
Considerando estes aspectos, precisamos lembrar o previsto em nossa Constituição, que determina a obrigatoriedade do planejamento econômico. E este somente é possível considerando-se o controle dos recursos energéticos.
A mesma Constituição garante para a elaboração deste planejamento e consequente plano o monopólio do Estado nos setores necessários à sua implantação. Temos, portanto, a legitimidade de comunicar aos grupos que pretendam apoderar-se do nosso petróleo dos riscos legais existentes.
A luta contra a entrega do petróleo nacional não tem o seu fim no momento da assinatura dos contratos ilegítimos. Ela inicia-se neste ponto. O LEILÃO É ILEGÍTIMO!!! Caso efetivado, deve ser anulado.
Argumentos contra o 11º leilão (leilão é privatização)
Fernando Leite Siqueira – engenheiro e ex-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás.
1) A Petrobrás descobriu 54 bilhões de barris no pré-sal: Tupi – 9 bilhões; Franco – 9 bilhões; Libra – 15 bilhões; Carioca, 10 bilhões; Iara – 4 bilhões; Sapinhoá – 2 bilhões; área das baleias – 5 bilhões. Somadas com a reserva pré-existente, 14 bilhões, temos 68 bilhões de barris, que geram autossuficiência para mais de 50 anos. Basta produzir o que já foi descoberto;
2) o 11º leilão é regido pela absurda lei 9478/97, que dá 100% do petróleo a quem produz e a obrigação de pagar só 10% de royalties, em dinheiro. No mundo, os países exportadores ficam com 80% do petróleo produzido;
3) a Petrobrás está sendo estrangulada pelo governo, que a obriga a comprar derivados no exterior e vender no mercado nacional por preço menor. Uma reserva estimada pela diretora da ANP em 30 bilhões de barris será entregue às transnacionais;
4) não há estudos técnicos do volume a ser leiloado, nem pesquisa da existência de organismos sensíveis à perturbação da produção de petróleo, nem análise de impacto ambiental, local e nos países vizinhos;
5) podem estar sendo incluídas áreas com petróleo de pré-sal ou áreas estratégicas –enquadráveis na nova lei 12.351/10 e não na 9478/97;
6) participaram dos leilões o cartel e as empresas da ABPIP – produtores independentes, de cujas 18 associadas, 14 são multinacionais, inclusive a El Paso, a 7ª irmã que mudou de nome.
Um crime de lesa-pátria.
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